enviado do Céu mediante a ação de um anjo)
Qual a imagem, que a maioria dos católicos atuais forma, quando se fala em anjo? É a de um conhecido clichê, freqüente na iconografia popular e que aparece até em folhinhas de parede: o anjo da guarda amparando a criancinha que atravessa uma frágil ponte... Mesmo essa visão dos anjos custódios é deformada em nossa época, como teve oportunidade de apontar o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu artigo O anjo da guarda é menos inteligeme que o demônio? (Catolicismo, maio de 1954).
Além do anjo da guarda, três outros espíritos celestes, quando muito, se incluem no panorama mental de boa parte dos fiéis: São Miguel, lançando o brado “Quem como Deus?”, chefe da milícia de anjos fiéis e vencedor do dragão infernal; São Rafael, que protegeu Tobias em sua viagem; e São Gabriel, cuja festa se comemora a 24 deste mês, o Arcanjo que anunciou a Maria Santíssima a Encarnação do Verbo Divino.
Já serão, por certo, bem menos numerosos os que sabem ter sido esse Arcanjo enviado ao profeta Daniel para instruí-lo acerca da data em que o Messias deveria nascer; como também que foi o mesmo mensageiro celeste que anunciou a São Zacarias a honra de vir a ser o pai de São João Batista, precursor do Messias.
Isto posto, nada melhor do que considerarmos agora o aspecto puniente das inumeráveis missões que os anjos exercem.
A multidão angélica
Ensina São Tomás de Aquino que a providência dos anjos é universal e se estende sobre todas as criaturas corporais, regidas e governadas pela Providência Divina por intermédio deles (cfr. De Veritate, q. V, a. 8). Tanto mais que a Providência Divina se estende mesmo às coisas singulares (cfr. Contra Gentiles, c.76).
Quanto ao universo angélico, Deus não foi parco ao criá-lo. São Tomás é muito claro a respeito do número incomensurável de anjos: “Os anjos formam uma multidão imensa, superior à multidão dos seres materiais, porque quanto mais perfeitas são as coisas, com tanto maior prodigalidade são criadas por Deus” (Suma Teológica, Ia., q.50, a. 3).
Dentre as incontáveis missões confiadas por Deus aos anjos, uma, pouco realçada, é a ação punitiva, exterminadora e devastadora, que eles podem exercer. Episódios históricos famosos, narrados pelas Sagradas Escrituras, são exemplos elucidativos de tais intervenções angélicas de cunho exterminador. Vejamos alguns deles, extraídos do Antigo Testamento.
São fatos que atestam a atuação dos espíritos celestes como instrumentos eficazes da justiça divina, como seus gládios vingadores. Papel muito importante e real, pouco conhecido contudo, provavelmente porque se choca contra a mentalidade adocicada de tantos católicos mal formados, refratários à idéia de anjos punientes e de um Deus justiceiro. De acordo com essa mentalidade distorcida, é mais agradável focalizar o anjo apenas como guardião das criancinhas em perigo e não considerar o reverso da medalha...
A morte dos primogênitos
Tendo o Faraó, rei do Egito, se negado a libertar do cativeiro o povo eleito, Deus castigou-o com as famosas e terríveis dez pragas, a última das quais foi a morte de “todos os primogênitos da terra do Egito, desde o primogênito do Faraó... até o primogênito da escrava, que está à mó, e até os primogênitos dos animais” (Ex. 11, 4-5).
Eis o que, a respeito, comenta Cornélio a Lápide, famoso exegeta flamengo do século XVII: “O anjo matou esses primogênitos pelo gládio e não pela peste. Com efeito, na Escritura, gládio significa todo instrumento mortífero, toda arma, todo gênero de morte, como disse alhures. Aliás, o anjo não necessita do gládio, pois é-lhe facílimo, sozinho, matar os homens, despedaçando-lhes o coração, perturbando-lhes as partes vitais, sufocando-os, ou por outros modos semelhantes, assim como nós, homens, esmagamos e matamos pulgas com o dedo” (Comelius a Lapide, Commentaria in Scripturam Sacram, Vivès, Paris, 1874, t.l, p. 521). Mais adiante, no mesmo livro do Exodus (23, 20-23), a narração bíblica é muito clara, quando Deus promete sua bênção e recompensa a quem observa sua Lei: “E eis que eu enviarei o meu anjo, que vá adiante de ti, e te guarde pelo caminho, e te introduza no lugar que preparei. Respeita-o, e ouve a sua voz, e vê que não o desprezes; porque ele não te perdoará, se pecares, e o meu nome está nele. Se ouvires a sua voz, efizeres tudo o que te digo, eu serei inimigo dos teus inimigos, e eu afligirei os que te afligem. E o meu anjo caminhará adiante de ti, e te introduzirá na terra dos Amorreus, e dos Heteus, e dos Ferezeus, e dos Cananeus, e dos Heveus, e dos Jebuseus, os quais exterminarei”. Esta mesma ameaça é reiterada no Cap. 33, verso 2, quando Deus ordena a Moisés que o povo judeu parta do Egito.
Estrépito sobre as árvores
Os filisteus –– povo que vivia na zona litorânea da Palestina –– levantaram-se contra Davi, quando souberam que ele tinha sido ungido rei de Israel. Então Davi pediu, e obteve, o auxílio divino para enfrentar seus temíveis inimigos (cfr. II Livro dos Reis, 5, 17 -25). Eis o papel dos anjos na luta contra os filisteus, conforme os comentários de Comélio a Lápide: "Os anjos, enviados de Deus e como que generais da guerra, produziam um som estrepitoso no alto das pereiras, como se estivessem avançando para o combate ao lado de Davi contra os filisteus, afim de que estes se atemorizassem ao ouvirem o ruído da chegada de incontáveis adversários, ao mesmo tempo em que eram acossados na retaguarda por Davi. 'Quando ouvires um rumor no cimo das árvores, então consola-te, porque o anjo do Senhor irá adiante de ti para exterminar os exércitos dos filisteus'. Aqui se vê o maravilhoso auxílio divino que Davi recebeu na batalha. Pois Deus, lutando por seu rei Davi, afim de derrotar os filisteus, quis que o estrépito dos anjos, produzido no cimo das pereiras, chegasse aos ouvidos dos invasores como ruído de um potente exército, afugentando-os e fazendo-os cair nas mãos de Davi. E assim fossem mortos pelo rei e por seus anjos tutelares" (op.cit., p. 452).
Os filisteus –– povo que vivia na zona litorânea da Palestina –– levantaram-se contra Davi, quando souberam que ele tinha sido ungido rei de Israel. Então Davi pediu, e obteve, o auxílio divino para enfrentar seus temíveis inimigos (cfr. II Livro dos Reis, 5, 17 -25). Eis o papel dos anjos na luta contra os filisteus, conforme os comentários de Comélio a Lápide: "Os anjos, enviados de Deus e como que generais da guerra, produziam um som estrepitoso no alto das pereiras, como se estivessem avançando para o combate ao lado de Davi contra os filisteus, afim de que estes se atemorizassem ao ouvirem o ruído da chegada de incontáveis adversários, ao mesmo tempo em que eram acossados na retaguarda por Davi. 'Quando ouvires um rumor no cimo das árvores, então consola-te, porque o anjo do Senhor irá adiante de ti para exterminar os exércitos dos filisteus'. Aqui se vê o maravilhoso auxílio divino que Davi recebeu na batalha. Pois Deus, lutando por seu rei Davi, afim de derrotar os filisteus, quis que o estrépito dos anjos, produzido no cimo das pereiras, chegasse aos ouvidos dos invasores como ruído de um potente exército, afugentando-os e fazendo-os cair nas mãos de Davi. E assim fossem mortos pelo rei e por seus anjos tutelares" (op.cit., p. 452).
O anjo estende sua mão
Deus castigou os israelitas, com a peste, pelo fato de o rei Davi ter ordenado o recenseamento do povo, contrariando a vontade divina. Tratam desse episódio o II Livro dos Reis, capo 24, e o capo 27 do I Livro de Paralipômenos: "E, tendo estendido o anjo do Senhor a sua mão sobre Jerusalém para a destruir, o Senhor compadeceu-se de sua aflição, e disse ao anjo exterminador do povo: Basta, detém agora a tua mão".
Comenta Comélio a Lápide: "Aqui fica claro que este anjo, que infligiu a peste, era um anjo bom e não mau. Foi um anjo bom que queimou Sodoma (Gen. XIX), e também aqui, como se vê no verso XVII, onde Davi pede misericórdia ao anjo. Anteriormente, o anjo havia ferido com a peste as outras tribos e delas matado setenta mil homens. No terceiro dia (do castigo), teria também ferido Jerusalém e aí aniquilado a muitos, pois os habitantes dessa cidade haviam ofendido a Deus, não só conspirando com Absalão (filho de Davi) contra o rei, como também por muitos outros pecados" (op.cit.,p. 536).
Comenta Comélio a Lápide: "Aqui fica claro que este anjo, que infligiu a peste, era um anjo bom e não mau. Foi um anjo bom que queimou Sodoma (Gen. XIX), e também aqui, como se vê no verso XVII, onde Davi pede misericórdia ao anjo. Anteriormente, o anjo havia ferido com a peste as outras tribos e delas matado setenta mil homens. No terceiro dia (do castigo), teria também ferido Jerusalém e aí aniquilado a muitos, pois os habitantes dessa cidade haviam ofendido a Deus, não só conspirando com Absalão (filho de Davi) contra o rei, como também por muitos outros pecados" (op.cit.,p. 536).
Extermínio de um exército.
A ação aniquiladora dos anjos mais citada no Antigo Testamento foi a matança de 185 mil homens do exército de Senaqueribe, rei da Assíria, que havia cercado Jerusalém, no reinado de Ezequias (*). Tal fato, ocorrido numa época em que a Ásia Menor constituía o mundo habitado e conhecido de então, é deturpado pelo historiador grego Heródoto, em sua obra Eutelpe, trocando Judá por Egito e Ezequias por Vulcão (cfr. Comélio a Lápide, op.cit., t. IV, p.189). É legítimo, então, perguntar se foi esta a única vez que historiadores tenham deturpado ações angélicas semelhantes à que estamos considerando. Segundo Comélio a Lápide, teria sido São Miguel Arcanjo, príncipe da milícia celeste, quem teria matado os 185 mil assírios (op. cit., t. m, p. 165).
Eis, em breves pinceladas, alguns exemplos do papel exterminador dos anjos no Antigo Testamento.
Cabe legitimamente indagar se esse papel se restringiu apenas àquele período histórico, ou se os anjos continuam a atuar em eventos decisivos da história da salvação, na vigência do Novo Testamento. Isso, entretanto, já é matéria para outro artigo.
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(*) IV Livro dos Reis, 19,35; 11 Livro dos Paralipômenos, 32, 21; Eclesiástico 48, 24; Isaías 37, 36; I Livro dos Macabeus 7, 41 e 11 Livro dos Macabeus, 15,22.
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Escrito por José Maria Rivoir
(Revista Catolicismo de Março de 1992)
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